O que significa aprender?

“Os nossos primeiros mestres de filosofia são os nossos pés, as nossas mãos, os nossos olhos. Substituir tudo isto por livros não é ensinar-nos a raciocinar, é ensinar-nos a razão de outrem, é ensinar-nos a acreditar em muitas coisas e nunca a saber nenhuma.” Rousseau, in Emílio II, p. 2854

Apresentar uma definição cabal e estruturada do conceito de aprendizagem constitui-se como uma tarefa complexa considerando as inúmeras definições disponíveis e os diversos contextos de aplicação existentes. O termo aprendizagem deriva do latim apprehendere que significa adquirir o conhecimento de uma arte ou ofício através do estudo ou da experiência. A abordagem do presente relatório terá como base a definição geral de aprendizagem humana comummente aceite apresentada por Gagné (1984): a aprendizagem pode ser entendida como uma “mudança na capacidade humana”, relativamente duradoura e não explicável através de processos de maturação (MIRANDA, 2005, p. 177). Esta “mudança cognitiva” ocorre apenas quando há aquisição de conhecimentos, habilidades, valores e/ou atitudes, situação que implica necessariamente a relação entre um organismo e um meio, ou seja, em função da experiência. A aprendizagem é, assim, um processo cognitivo através do qual vamos construindo vários conhecimentos, conceitos e competências que resultam numa alteração de comportamento, no sentido de responder às novas situações que enfrentamos, aos desafios com que nos deparamos e aos quais temos de dar resposta.
Para abordar o conceito de aprender importa considerar em simultâneo o conceito de ensinar. Conceber estratégias e orientações teorias para ensinar sem considerar a estrutura do “aprendizado” é desconexo. Para concebermos a aprendizagem temos que assumir a existência de um corpo (organismo) e de algo exterior que desperte a sua sensibilidade para a aprendizagem (não parece viável conceber a existência de interação e aprendizagem sem a existência do “exterior”). Conforme considera Morin (2002), o Homem é um ser de enorme complexidade estrutural bio-mental, requer uma adaptação ao meio envolvente de forma distinta das outras espécies do planeta e é aí que a aprendizagem é uma mais valia sem a qual não seria possível a sua sobrevivência. Face à abordagem multidisciplinar da estrutura atual, é útil clarificar que género de “aprender” pretendemos explorar no sentido de mobilizar as fontes que nos interessam. Consideremos genericamente dois níveis radicalmente distintos de aprendizagem: i) nível comum a humanos e outros animais: este nível de aprendizagem relaciona-se com a sobrevivência. Do ponto de vista da psicologia evolutiva, a aprendizagem pode ser definida como a capacidade de adaptação ao meio ambiente. Para ser “bem sucedido”, um organismo necessita aprender um conjunto de conhecimento necessários ao seu sucesso adaptativo ao meio que o rodeia, pelo que esta aprendizagem é maioritariamente instintiva; ii) nível exclusivo dos humanos: neste nível encontra-se aquilo a que podemos chamar de aprendizagem humana. Esta aprendizagem distingue-se da aprendizagem meramente mimética e tem como característica singular a procura de conhecimento que transcende a sobrevivência, apelando a formas “superiores” de desenvolvimento e evolução no meio envolvente. Neste campo de ação, a aprendizagem é entendida como processo cognitivo fundamental do processo de adaptação que nos torna essencialmente humanos. Esta adaptação humana comporta a necessidade de se ensinar a si mesmo – os animais também aprendem, entre ajudam-se nesse processo porém, não neste sentido de autoeducação – de se impor a si próprio, conjuntamente com os outros da sua espécie, no sentido de evoluir cognitivamente, transformando o universo que o rodeia em favor de um estado “elevado”. Este nível de aprendizagem em que o homem se sente sempre “insatisfeito” é o ponto principal de distinção entre a humanidade e os restantes seres vivos, sendo aquele que nos interessa para a compreensão do fenómeno intitulado conhecimento – e para a correta interpretação da relação entre conceitos (inerente aos MC) – supondo que ainda não sabemos da existência de outros seres vivos mais evoluídos. (MORIN, Reformar o Pensamento, 2002, p. 9).
Partindo da definição consensual de aprendizagem como “um processo mental interno (ainda que possa ser observável), uma mudança relativamente estável adquirida pela experiência de aquisição de novos conhecimentos”, importa analisar a matéria de aprendizagem que é “do domínio do conhecimento” (REBOUL, 1982, p. 21) e sem a qual este não seria exequível: a informação. Sem informação não pode haver conhecimento, porém, a presença de informação não garante à partida a construção de conhecimento. O conceito de informação possui múltiplos significados, desde o uso quotidiano ao uso técnico. De modo simplista, a informação é essencialmente pragmática (MORIN, 2002; REBOUL, 1982) pode ser entendida como a organização de um conjunto de dados, cuja finalidade é fornecer “esclarecimentos” úteis para a nossa existência e adaptação ao meio, “(...) serve para viver e não para saber; (...) a sua verdade reduz-se à sua utilidade.” (REBOUL, 1982, p. 30). De um ponto de vista técnico, a informação pode ser entendida como o estado de um sistema de interesse que pode ser materializado através da mensagem (processada entre emissor e recetor). Neste sentido, uma mensagem recebida e entendida pode ser designada de informação (SHANNON & WEAVER, 1949). A informação é a leitura que cada indivíduo faz de um conjunto de dados, o significado que o indivíduo lhe atribui ao internalizar um conjunto de dados. Como processo individual, a informação parece encontrar-se sujeita a variações próprias de cada um, na medida em que “cada pessoa recebe mais ou menos bem a informação conforme corresponde aos seus interesses e necessidades” (REBOUL, 1982, p. 23). Este aspeto “individual de assimilação” denomina-se de afetividade e é crucial quando o trabalho de transmissão de informação decorre em sala de aula – o professor deve estar consciente que cada elemento irá registar ou afastar a informação de forma diversa. É neste domínio que a afetividade e as experiências anteriores do sujeito são uma condição determinante para a “internalização” ou significação de uma determinada informação. Tal como afirma Reboul (1982), “(...) qualquer informação é recebida mais ou menos ativamente pelo destinatário, segundo a sua afectividade própria.” (pp.23-24). Quando não existe ligação entre o sujeito e os dados fornecidos, os mesmos serão intencionalmente afastados da sua estrutura cognitiva. A comunicação é um veículo importante no processo de aprendizagem: é o intermediário que conduz a informação oriunda de um sujeito que ensina (professor) para um sujeito que aprende (aluno).
De acordo com as tradicionais teorias da aprendizagem, o professor era o detentor fiel da informação (emissor) e o aluno, o recetor passivo da mensagem (informação) reproduzida. Nesta relação, supunha-se a existência de uma linguagem comum que permitisse a compreensão da comunicação emitida pelo professor, incorporando-a ou internalizando-a no seu entendimento. A “informatização” do conhecimento providenciada pelo rápido desenvolvimento das tecnologias da informação na atual sociedade, fez com que as escolas – que durante décadas se constituíram como fontes privilegiadas de acesso à informação e ao saber – deixassem de ser a primeira fonte de conhecimento para os alunos. Face à destituição massificada de informação que outrora era privilegiada, as escolas devem fomentar nos alunos “capacidades de gestão do conhecimento ou, se preferirmos, de gestão metacognitiva” que os ajude a enfrentar as tarefas e os desafios que os aguardam na sociedade do conhecimento (POZO, 2007, p. 36). A tarefa de ensinar não se prende mais com a transmissão de verdades construídas, de conhecimentos estruturados mas com a diversidade de perspectivas, relatividade de teorias. Contrariamente à mera transmissibilidade de mensagens, o professor deve ensinar o aluno a utilizar habilmente a informação, a transformar um conjunto de asserções em conhecimento verdadeiro, ajudando-o a construir (no meio da imensidão de informação disponível) a sua própria verdade (perspectiva pessoal): “Nós vivemos numa sociedade da informação que só se converte numa verdadeira sociedade de conhecimento para alguns, aqueles que puderam ter acesso às capacidades que permitem desentranhar e ordenar essa informação (POZO, 2007, p. 35). Para o catedrático Pozo, o grande desafio na sociedade da aprendizagem estará na possibilidade de fazer um uso epistemológico dos sistemas culturais de representação do conhecimento, na criação de novas formas de relacionamento com o conhecimento. Informar não é ensinar. Aprender não é um ato generalizado, possui um carácter pessoal e emocional. O êxito da aprendizagem repousa na capacidade do docente despertar as experiências anteriores dos alunos adequadas à agregação de novos conceitos e informações (AUSUBEL, 1963). No mundo informacional, esta tarefa passa por ensinar as metodologias adequadas à manipulação correta da informação, mediante a criação de situações de diálogo e discussão propícias à assimilação dos conteúdos. O professor deve definir-se tanto sujeito cognoscente quanto os alunos que pretende doutrinar. Ao contrário do conhecimento, a finalidade da aprendizagem não se encontra em si mesma, mas nos seus resultados, nas modificações que opera no comportamento exterior, no processo de adaptação ao meio. 
Maria do Céu R. P. B. Machado Aires in https://repositorio-aberto.up.pt