Conceito de Deus e falsificacionismo

Até agora tenho considerado que a questão de saber se Deus existe é perfeitamente dotada de sentido. Pode ser difícil respondê-la, mas presumi que há uma resposta. Teístas, ateus e agnósticos estão de acordo com isto. Admiti que a frase “Deus existe” diz algo; a questão é saber se o que diz é verdadeiro, e se podemos conhecer esse algo.
Positivismo lógico
Alguns filósofos — defensores da posição denominada positivismo lógico — têm uma perspectiva totalmente diferente deste problema. Sustentam que a frase “Deus existe” é destituída de sentido. Não é verdadeira e também não é falsa. Sustentam que é enganador argumentar sobre a existência de Deus. A idéia é que fomos enganados por uma similaridade gramatical superficial entre a frase “Deus existe” e a frase “Dados existem”. A última expressa um enunciado científico que pode ser justificado ou rejeitado apelando-se a indícios. A primeira, em contraste, não expressa qualquer proposição. O positivismo sustenta que não devemos tentar responder à questão de saber se Deus existe; ao invés, devemos rejeitá-la como destituída de sentido.
A teoria testabilista do significado
Os positivistas desenvolveram uma teoria que supostamente justificaria essa tese filosófica: a teoria testabilista do significado. Esta teoria sustenta que para uma frase ter significado tem de ser a priori ou a posteriori. A teoria testabilista do significado também inclui propostas específicas de como essas duas categorias devem ser entendidas.
Uma verdade é a priori se pode ser justificada sem se recorrer à experiência sensível — pode ser justificada pela razão apenas. Uma verdade é a posteriori se necessitamos da experiência sensível para sua justificação.
Isto é o que significa uma verdade ser a priori ou a posteriori. Mas as falsidades também podem enquadrar-se nestas categorias. Uma verdade matemática como “2 + 3 = 5” pode ser justificada pela razão apenas; mas a falsidade matemática “2 + 4 = 7” pode ser refutada pela razão apenas. E tal como a afirmação “Há um livro à sua frente agora” é uma verdade a posteriori, também a afirmação “Não há um livro à sua frente agora” é uma falsidade a posteriori.
Algumas a afirmações dotadas de significado são verdadeiras e outras são falsas. Ao dizer que cada frase dotada de significado ou é a priori ou é a posteriori, os positivistas estão dizendo que toda frase dotada de significado, é decidível em princípio. Ou seja, sustentam que se S é uma frase dotada de significado, então é possível descobrir se S é verdadeira. Se não houver modo de descobrir em princípio se S é verdadeira, os positivistas concluem que S é destituída sentido.
Volto agora à explicação positivista do que torna uma frase a priori ou a posteriori. Uma vez esclarecidas cada uma destas categorias, os positivistas pensam que a afirmação de que Deus existe não se enquadra em quaisquer delas. Concluem que a afirmação é destituída de significado.
Analiticidade
Os positivistas (e outros filósofos) sustentam que todas as afirmações a priori são analíticas. Uma verdade analítica (por oposição às verdades sintéticas) é uma definição ou uma conseqüência dedutiva de uma definição. A verdade de “Todos os solteiros são não casados” segue-se das definições dos termos nela contidos. “Está chovendo ou não está chovendo” segue-se igualmente da definição de “ou”. Simetricamente o positivismo sustenta que todas as afirmações a posteriori são sintéticas — se uma frase depende da experiência sensível para a sua justificação, a sua verdade não se segue apenas de definições.
Onde se encaixa a frase “Deus existe” nesta classificação? Os positivistas rejeitam toda a estratégia por trás do argumento ontológico. Sustentam que “Deus existe” não é decidível apenas por definições. Logo, a frase não é a priori. Isto significa que se “Deus existe” for dotada de significado, então tem de ser a posteriori. Temos de examinar agora a explicação dos positivistas do que torna uma frase a posteriori.
Falsificabilidade
Os positivistas dizem que a frase “Deus existe” não é testável. Não há maneiras de se usar observações para decidir se é verdadeira.
Os defensores da teoria testabilista do significado argumentaram que as frases são testadas deduzindo-se delas previsões que podem ser aferidas fazendo observações. Mendel testou a sua teoria genética deduzindo dela uma previsão acerca das proporções das diferentes características que deveria haver em suas ervilhas. Ele pôde, então, aferir essas previsões observacionalmente. Os positivistas argumentam que a frase “Deus existe” não faz previsão alguma; portanto, não é testável.
Às vezes a idéia de testabilidade observacional é desenvolvida com referência ao conceito de falsificação. Se uma teoria faz uma previsão que pode ser aferida observacionalmente, a teoria corre o risco de ser refutada por essas observações. O influente filósofo da ciência Karl Popper (que não foi um positivista) quis dizer isto ao afirmar que uma teoria científica deve ser falsificável. Isto não significa que uma teoria científica deva ser falsa. Falsificável não significa falso. O crucial é que a teoria exclua pelo menos algumas observações possíveis.
Em ciência, confirmação e infirmação estão intimamente conectadas. Uma experiência tem diferentes resultados possíveis. Se alguns resultados forem indícios a favor de uma hipótese, então outros resultados serão indícios contra ela. Se propomos uma experiência para testar uma hipótese e pensamos que todos os resultados possíveis indicariam que a hipótese é verdadeira, não há motivo para fazer a experiência. O único modo de a experiência nos oferecer verdadeiros indícios em favor da hipótese é existindo alguns resultados possíveis que abalem a hipótese. Temos, então, indícios que sustentam a hipótese se fizermos a experiência e descobrirmos que os possíveis resultados refutantes não aconteceram. Obter indícios a favor de uma hipótese requer que a hipótese exclua algo. O que é excluído pela frase “Deus existe”? Há algo que possamos observar que seja indício contra o teísmo? Por exemplo, se observássemos que há mal moral no mundo, isso contaria contra a hipótese de que há um Deus? Na lição 11 discutirei essa questão em algum detalhe. Por agora notarei apenas que os teístas geralmente não consideram que a existência do mal conte contra o teísmo. Dizem que se o mundo fosse moralmente perfeito, isso seria consistente com a existência de Deus; e se por acaso há mal moral no mundo, isso também pode ser conciliado com o teísmo. Parece que os teístas geralmente conseguem conciliar suas crenças em Deus com seja o que for que vêem.
Considere-se as declarações do dia do juízo final que aparecem de tempos em tempos em diferentes religiões. De vez em quando, alguns grupos religiosos aparecem com a idéia de que Deus está conduzindo o mundo para o fim. Tais previsões ainda não se mostraram verdadeiras. Quais foram os resultados dessas previsões malogradas? Poucos crentes no fim do mundo viram sua fé abalada. Porém, após alguma reflexão, muitos teístas decidiram que a previsão malograda dos crentes não conta contra a hipótese de que há um Deus. Se o mundo tivesse acabado, os teístas teriam usado isso para sustentar as suas crenças de que há um Deus; contudo, quando o mundo não acaba, essas mesmas pessoas continuam a acreditar que Deus existe.
Espero que essas observações transmitam o gosto que os positivistas sentem quando afirmam que a hipótese de que Deus existe não é testável. Pretendo agora ser um pouco mais preciso sobre essas idéias. Começarei com duas definições:
Uma hipótese H é fortemente falsificável se H implica pelo menos uma afirmação observacional O.
Uma afirmação observacional é uma afirmação cuja verdade ou falsidade pode ser determinada por observação direta.
Note-se que a falsificabilidade forte permite que uma hipótese seja refutada por um argumento dedutivo válido se a previsão observacional que faz se mostrar falsa.
Se H, então O. 
Não O. 
Logo, não H.
Elliott Sober in criticanarede.com