A Teoria da moral Utilitarista de J. Stuart Mill

O credo que aceita a Utilidade, ou o Princípio da Maior Felicidade, como fundamento da moralidade, defende que as acções estão certas na medida em que tendem a promover a felicidade, erradas na medida em que tendem a produzir o reverso da felicidade. Por felicidade entende-se prazer e isenção de dor; por infelicidade, dor e privação de prazer.
O utilitarismo de S. Mill, como esta passagem decisiva deixa bem claro, inclui uma teoria hedonista do bom. Segundo o hedonismo, o bem-estar de um ser consiste exclusivamente em experiências aprazíveis e na ausência de experiências dolorosas. Mas Mill não é simplesmente um hedonista: é um hedonista total, para usar a expressão de Roger Crisp. O hedonista total acredita não só que o bem-estar consiste em experiências aprazíveis, mas também que aquilo que torna tais experiências boas é simplesmente o facto de elas serem aprazíveis. Assim, Mill não pensa que uma experiência aprazível é boa em virtude de, por exemplo, estar de acordo com a vontade de Deus. Também não pensa que uma experiência aprazível é boa em virtude de satisfazer as preferências ou interesses do sujeito em que ocorre. Por isso, o utilitarismo de Mill difere das teorias utilitaristas, como a de R. M. Hare ou Peter Singer, que incorporam uma concepção do bem-estar como satisfação de preferências ou interesses. Também difere do utilitarismo de Moore, no qual se entende que há uma pluralidade de coisas irredutivelmente boas que devem ser promovidas. S. Mill não admite uma tal pluralidade. Defende a ideia de que «o prazer e a isenção de dor são as únicas coisas desejáveis como fins, e de que todas as coisas desejáveis (que são tão numerosas no esquema utilitarista como em qualquer outro) são desejáveis ou pelo prazer inerente em si mesmas ou como meio para a promoção do prazer e da prevenção da dor.»
Compreende-se que uma teoria aparentemente tão redutora tenha suscitado um «desagrado inveterado». Muitos dos opositores do utilitarismo, declara Mill, pensam «que supor que a vida não tem (como dizem) nenhum fim mais elevado do que o prazer nenhum objecto de desejo e empenho melhor e mais nobre — é absolutamente baixo e desprezível, é uma doutrina digna apenas de porcos». Para mostrar que o utilitarismo hedonista, contrariamente ao que pode parecer, é uma teoria digna dos seres humanos (uma teoria que representa adequadamente o bem-estar humano), S. Mill começa por fazer notar que a acusação de que o utilitarismo é uma doutrina «digna apenas de porcos» só seria correcta se os seres humanos só fossem capazes de experimentar os prazeres acessíveis aos animais não humanos. Mas é óbvio que isso não é verdade. Os seres humanos «têm faculdades mais elevadas do que os apetites animais, e quando se tornam conscientes delas não vêm como felicidade nada que não inclua a sua gratificação». Por isso, os hedonistas não advogam qualquer espécie de sensualismo e atribuem uma grande importância aos prazeres mentais. Mas Mill não está completamente satisfeito com o modo como os hedonistas que o precederam, como Bentham, defenderam a superioridade dos prazeres mentais relativamente aos corporais:
Deve-se admitir, no entanto, que de uma maneira geral os autores utilitaristas colocaram a superioridade dos prazeres mentais em relação aos corporais sobretudo na maior permanência e segurança, assim como na menor dispendiosidade, dos primeiros — isto é, nas suas vantagens circunstanciais, não na sua natureza intrínseca. E em todos estes aspectos os utilitaristas provaram completamente a sua posição, mas poderiam ter invocado a razão mais forte, como lhe podemos chamar, com inteira consistência. É totalmente compatível com o princípio da utilidade reconhecer o facto de que alguns tipos de prazer são mais desejáveis e valiosos do que outros. Seria absurdo supor que, enquanto que na avaliação de todas as outras coisas se considera tanto a qualidade como a quantidade, a avaliação dos prazeres depende apenas da quantidade.
Pedro Galvão Departamento de Filosofia – Universidade de Lisboa in spfil.pt